sexta-feira, 31 de outubro de 2008

Amor constante para além da morte

Francisco de Quevedo

Meus olhos cerrar pode a derradeira
sombra que me levar o branco dia;
e desatar minha alma poderia
uma hora ao seu anseio lisonjeira;

mas não, dessa outra parte, na ribeira
deixará a lembrança, onde ela ardia;
vogar sabe meu lume na água fria
e perder o respeito à lei certeira.

Alma a que todo um deus prisão tem sido,
veias que a tanto fogo humor têm dado,
medulas que na glória têm ardido,

seu corpo deixará, não seu cuidado;
hão-de ser cinza, sim, mas com sentido;
pó hão-de ser, mas pó enamorado.

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